Grandma Has a Video Camera

 

“Minha avó tem uma câmera de vídeo. Eu percebi mesmo pela primeira vez quando um dia vi que ela me filmava. Perguntei se poderia ver suas fitas, e vi que ela filmava tudo, desde sua chegada à Califórnia. Mas havia algo mais... ao assistir a esses filmes caseiros, vi a história da imigração da minha família (...) me pergunto o que foi exatamente que motivou cada um de nós a se mudar para os Estados Unidos.”
 
Por Valentina Rosset 

Em Grandma Has a Video Camera (2007), Tânia Cypriano organiza a história da imigração de sua família do Brasil para os Estados Unidos no final da década de 70, através de fitas gravadas na única câmera que estava ali presente, pertencente à sua avó baiana, Elda Rosa de Jesus. De mão em mão, a câmera é repassada entre os familiares ao longo dos anos; e fragmentos de vida, classe, brasilidade e americanização vão se entrelaçando num sensível registro familiar e complexo microcosmo da imigração brasileira à América do Norte. 

Inserindo-se na classe média no Brasil ao final dos anos 70 e início dos anos 80, Tânia conta que foi a primeira de sua família a ir embora para um curso de inglês, acompanhada de sua tia Marina. Quando Marina engravida, vovó Elda deixa sua vida em São Paulo para ajudar na criação de sua neta, Luana, em São Francisco. É então que vovó adquire a câmera, e passa a filmar o crescimento de Luana e tudo em sua volta. Eventualmente, de São Paulo para a Califórnia, grande parte da família se muda, dando início à uma vida baseada em idas e vindas. 

Tânia assume a responsabilidade de tomar essas imagens livres e caseiras para si, organizando-as em formato narrativo. Com o voice-over em inglês, ela estabelece uma relação direta com seu primeiro público –aquele que a recebeu como imigrante, o norte-americano. No entanto, seu sotaque transparece a cada palavra, marcando presença de sua origem –ainda que sotaque linguístico seja inevitável, aqui parece ser também uma tomada de posição: se apresentar ao público americano, narrar em inglês, mas lembrar que não sou daqui. Principalmente em um país que força tanto a afirmação de identidade como nos Estados Unidos, Grandma Has a Movie Camera, dentre muitas coisas, é também uma necessidade de se recontar ao público estrangeiro.


“A câmera gravava tudo o que eles viam; lugares, prédios, 
objetos –todos objetos americanos, separados deles.” 

Trazendo ideais americanos que ocupam o imaginário brasileiro, Tânia expressa sua razão de ir morar nos Estados Unidos –para ela, um lugar de liberdade individual, que ofereceria mais oportunidades e independência. No entanto, entende seu arquivo familiar, assim como a si própria, como parte de uma história maior. Em um certo momento, vemos familiares reunidos no aniversário de Luana, assim como vimos antes nos anos anteriores. Só que aqui, todos cantam “Happy Birthday to You”, enquanto Cypriano se pergunta: “Essa é a primeira vez que os ouço cantar Parabéns Para Você em inglês. Seria certo dizer que é aqui a americanização da minha família?” 

Essa inquietude parece ser central para a realização deste filme. Sua montagem levanta questões sobre americanização nas mais íntimas filmagens, dando espaço para que no material gravado transpareça a relação subjetiva de cada um da família com os EUA e com o Brasil. Há diversos momentos em que essa percepção se dá através de filmagens de objetos, por exemplo; quando a avó vai ao mercado e filma porque se impressiona com a quantidade de produtos nas prateleiras, quando mostra tão de perto o novo aspirador de carro, ou quando se mudam (diversas vezes) de apartamentos alugados e casas –hora em espaços menores do que outros. Até os objetos são filmados como estrangeiros, ainda que a família os tenha comprado. Fica nítida a distância, sempre presente, entre a família imigrante e a cultura consumista estadunidense. Vivendo em estado de comparação entre “aqui” e “lá”, a câmera nas mãos de vovó (que não fala inglês) e de vários da família, se mostra um meio necessário de tentar tornar aquilo que é externo e estrangeiro em algo próprio e familiar.


Ao mesmo tempo, essas fitas também mostram o Brasil ‒ou uma certa ideia de Brasil– presente na família quando estão fora do país, que dividia seu tempo entre trabalhar para os americanos e aproveitar os dias de folga com a comunidade brasileira. Quando se é imigrante, o que no país de origem é apenas mais uma nacionalidade permeada por outras divisões sociais, no país estrangeiro é o ímpar, e o que os une. Brasil é até o tema do aniversário de Luana. Vovó autodenomina-se de A Avó dos Estados Unidos para sua comunidade imigrante, pois “Brasileiros que moravam aqui sem suas famílias projetavam suas próprias mães e avós nela (Elda).” Por razões distintas, e por vezes conflitantes, os familiares mantém-se ali juntos seja pela farofa compartilhada, seja pela vida material. Há uma cena em que Tio Hélio vai até uma concessionária americana justamente para filmar carros ‒“Pra deixar vocês aí no Brasil com água na boca! São oito e meia da noite, tá tudo sossegado, ninguém pergunta nada... não tem nenhum portão, ninguém rouba nada. Pode entrar e mexer nos carros, não tem nenhum guarda.” 

Estar nos Estados Unidos nos anos 80 é também poder estar longe do que assombra a classe média brasileira, ainda que se mudar para um subúrbio branco e entrar para a igreja mórmon, como faz Hélio, não apague sua identidade de imigrante brasileiro. Tânia aponta para isso com bom humor. Por outro lado, vemos tia Marina anos depois, trabalhando como garçonete numa pizzaria, querendo morar no Brasil, mas sentindo-se presa aos EUA por conta de sua filha Luana. “Para Marina, os EUA viraram um lugar somente para trabalhar; o Brasil, um lugar para brincar (...) então é claro que ela odiava aqui, e amava lá.” Chegando em casa do trabalho, Marina mostra as notas de dinheiro que ganhou no restaurante, “quer conhecer o meu melhor amigo? é esse aqui ó” enquanto aponta para o rosto estampado na nota de dólar. Os anos se passam, e o custo de vida nos Estados Unidos aumenta cada vez mais, e as leis de imigração passam a ser mais restritas.


Grandma Has a Video Camera utiliza-se do arquivo familiar como forma de exploração pessoal, mas também de observação social. As constantes mudanças de vovó Elda, Marina e Luana –não só entre os países, mas de casa em casa dentro dos Estados Unidos, dependendo da abundância ou escassez financeira– expõem o impacto e desmistificação da imigração na vida pessoal de cada uma delas, em três gerações. Luana já cresce sentindo-se em casa nos Estados Unidos, assistindo o Brasil pela televisão. Vovó, que apesar de gostar muito de sua vida norte-americana, diz que gostaria de morrer no Brasil, “em seu lugar”. No meio de tantas despedidas, Tânia reconhece a ternura que é ter imagens de sua família por anos, que por serem gravadas inicialmente por sua avó, também são desprendidas de qualquer postura ou intenção prévia de serem transformadas em algo diferente daquilo que apenas são. “É para ter de recordação que quando eu for embora eles verem. Porque agora eu que tô vendo, mas quando eu for embora, eles que vão ver. A recordação que eles têm que guardar é que foi eu que filmei. Foi avó que filmou, foi minha mãe que filmou.”

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